domingo, 6 de dezembro de 2009


Parque dos desastres
Olho líquido do ânus da cidade
Vísceras de recorrentes sandices
Círculo da desova
Largo da imundice

Parque dos embarques
Pintas de sombra o asfalto que o circunda
Bebes da lama misturada com cicuta
Deitas na grama assanhada
Te encobres de mil putas

Parque dos assaltos
Leva meus sonhos que depois eu sonho novos
Ouço o meliante de olho em outro morto
Rasga a garganta do bueiro
Hálito impune da boca de lodo

Parque do barulho
Cochichos elétricos ecoando pelas copas
Pássaros surdos entoando cantos mudos
Caótica babel
Meia-noite no bordel

Parque das alcovas
Menina velha ninando avó moça
Sêmen de mancebos respingando na argamassa
Doutores e afilhadas
Jardineiros e patroas

Parque da fumaça
Ervas nos canos de escape das veias
Incensas o castelo de lágrimas e poeira
A neve brilha e reluz em negro
A nave voa em um quadro branco

Parque dos afogados
Uns porque assim foram
Outros porque lhes foram assim
Vela que no pires flutua
Chama que não tem fim

Parque dos semáforos
São tantos fios, tantas luzes, tantos postes
São tantos trios, tantas motos, automóveis
Como é que tu respiras?
A que horas que tu dormes?

Parque dos descalços
Menino, solta o rabo do rato!
Velhinho, larga o talo do mato!
Insistentes viventes
Invisíveis pedintes

Parque dos gritos
Megafones anunciando o armagedon
Óculos escuro importado de Saigon
Pamonha, pó de guaraná
Ra(s)pa, bola, bala, bazurca

Parque dos parques
A serra gira, a pomba-gira, a roda gira
Gigantes, anões e gorilas
Chegam cobrando sorrisos
Partem roubando alegria

Parque dos aflitos
Teu paletó tá cruzando alguma faixa
O agiota tá sentado em alguma mesa
O “avião” acabou de pousar
Tem chama acesa no escuro da palhoça

Parque dos conflitos
Pobre nobre, novo rico
Pão na base do grito
A esmola que Deu(s) foi grande
O cego que viu foi proscrito

Parque dos arroubos
Tua cara tá pintada de indiretas
Tem gente a pé seguindo a carreata
Abraços de primata
Papos de jacaré

Parque das reformas
Novo algoz, nova vassoura
Silicone de cimento em tuas ancas nuas
Shampoo de plástico nos cabelos imperiais
Gosma de ancestrais debaixo do tapete

Parque dos esgotos
Peixe cagado ao molho de urina
Detergente misturado com arroto
Adubo de indômitos vômitos
Um olho morto piscando na retina

Parque das sombras
Luz que te arromba de manhã
Tarde que te chega fria
Noite que estupra as lâmpadas de neon
Vagalume que não alumia

Parque das lagoas
De Eduardo, Cipriano, das antigas
De Carlos, de Geraldo, das cantigas
Às vezes transbordas palavras
Outras, lágrimas vertidas

Parque das copas
Ver-te de cima quase redime nossos crimes
Verde que fere corações de granito
Gritas pelos bicos das aves
Revolta-se pelo topo dos ventos

Parque da memória
Ciclos de história circularam em tuas bordas
Pés, chapéus e botas flutuaram em tuas curvas
Fosses um nobre senhor
Hoje te quedam, corcunda

Parque das crianças
Quem foi um dia, quem é e quem será
Esconde-esconde, escorrego, bambuzal
Brinquemos nos sonhos de ontem
Lá na frente talvez vá faltar

Parque dos anjos
Augusto treme de frio à sombra do tamarindo
Solon exige providências divinas
O verde-oliva tingiu-se de negro
Tem arco-íris passando por cima

Parque da fonte
Jorrastes sabedoria ontem
Respingas alegoria hoje
Se bebo da tua água morro
Não prestas pra apagar o fogo da fome

Parque cidadão
Tuas mazelas não são tuas crias
Reclamas, do teu jeito, essa agonia
Com prantos, atos ou canetas
No coro, com dança ou poesia

Parque dos sonhos
Há pesadelos que se findam ao te ver
Há outros tantos que engravidam de você
És um sonâmbulo à beira do precipício
És o início, o centro, o fim

Parque dos templos
Batistas cruzam católicos e budistas
Raízes de babosa e arruda
Ajuda essa aleijada, moço
Finca uma cruz na palma da rima

Lago dos cisnes
Alma de marreco com farinha
Avoa andorinha e irerê
Não há mais nada que nade em teu espelho
Teu reflexo voou ao entardecer

Lagoa da esperança
Qual edil penteará tuas tranças?
Qual varão gotejará tua nuca?
Quando sorveremos a água de teu ventre?
Não, por favor, não digas “nunca”

João Pessoa, 5 de agosto de 2000